Segundo a Polícia Federal, a novela "Salve Jorge" encorajou a mãe a pedir ajuda pelo serviço Ligue 180.
Uma operação conjunta das polícias do Brasil e da Espanha desarticula
uma quadrilha internacional e liberta brasileiras que eram mantidas como
escravas sexuais naquele país.
A operação começou com um pedido de socorro da mãe de uma dessas
brasileiras. A mãe fez a denúncia depois de ver a novela Salve Jorge,
que trata do tráfico internacional de mulheres.
Os repórteres André Luiz Azevedo, Eduardo Faustini e Patrícia Nobre
acompanharam o passo-a-passo dessa operação. No Brasil e na Espanha.
Exatamente às 10h em Salamanca, 6h em Salvador, na Bahia, por causa da
diferença do fuso, os agentes da polícia espanhola junto com os agentes
da Polícia Federal brasileira chegam na sala de festas Vênus que,
segundo a denúncia, é onde se encontram as brasileiras e também outras
estrangeiras.
A porta do prostíbulo espanhol é blindada e está trancada. Há
prostitutas lá dentro, que não podem sair, porque não têm a chave. Elas
estão presas em cárcere privado.
Os policiais precisam de 13 minutos para conseguir arrombar o portão.
Mas, antes que eles entrem, o Fantástico mostra o que essa porta
esconde: é o submundo da escravidão sexual na Espanha, que não tem
fronteiras.
Em Madri, que como no resto do país, o sexo pago é um negócio
legalizado. No Brasil, a exploração da prostituição é crime. Na Espanha,
não.
Perto de um prostíbulo, um taxista diz que a oferta de mulheres é
internacional: “Brasileiras, romenas, espanholas, colombianas, e não
lembro o resto”, conta.
O repórter Eduardo Faustini entra num prostíbulo da capital espanhola.
“Pra entrar são 20 euros”. Quase 60 reais só de ingresso.
Lá dentro, uma prostituta se aproxima e quer começar o programa logo. “Se quiser, vamos subir, que lá conversamos melhor”.
No primeiro andar ficam o bar, a pista de dança e o palco para shows
eróticos. Os quartos estão no segundo andar. Os preços, sempre em euros.
Uma hora dá 140 euros. “Meia hora, 120 euros”. Quase 400 reais por uma
hora, 325 reais meia hora.
Como o taxista avisou, o prostíbulo tem mulheres de todas as partes do mundo: “Dominicana, de Santo Domingo, romena e búlgara”.
Dias antes da operação policial em Salamanca, a 190 quilômetros de
Madri, o repórter Eduardo Faustini entra na sala de festa Vênus e
encontra uma prostituta brasileira.
O pagamento é feito na recepção, antecipado. O valor: 54 euros, quase
150 reais. Ela pede o troco, que é de 6 euros - pouco menos de 18 reais.
“É tudo pra mim aí”, diz a mulher.
Eles sobem para o quarto. O repórter diz que só quer conversar.
Mas é ela quem sente vontade de falar, enquanto prepara um cigarro de maconha.
“Você vai ter conversa pra você escutar até umas horas”, diz a mulher.
Sem saber que estava sendo gravada, ela diz que, quando chegou à
Espanha, há quase dez anos atrás, ganhava bastante dinheiro em pouco
tempo.
“Deu pra tirar uns 800 euros nesses dias que eu vim, era novidade, acabado de chegar também”, conta.
Agora, com a crise econômica em toda a Europa, a vida na Espanha está
muito mais cara. Por isso, hoje ela ganha bem menos dinheiro.
“Agora já tem uma semana que eu estou aqui, eu não ganhei nem 200 euros pra te falar a verdade”, diz.
Ela conta sobre um dos prostíbulos onde teve que trabalhar. “Quando
chove, as mulheres têm que sair da casa, porque enche o rio. Quando eu
cheguei, lá a primeira vez pensei que ia morrer. O encarregado subia com
um pedaço de pau batendo assim, ó. ‘vamos descer em 5 minutos’. A
comida é horrível. O jeito que você dorme, você com três quatro mulher
dentro de um quarto, mulheres que você não conhece”.
No fim da conversa, ela fala com cuidado sobre o dono do prostíbulo de Salamanca, traz mulheres do Brasil.
“O dono daqui foi ao Brasil e trouxe umas mulheres lá da Bahia pra trabalhar aqui”.
O dono da boate e chefe do tráfico de mulheres, se chama Ángel Bermudez
Motos e é conhecido como "Gitano", que é "Cigano" em espanhol”.
Essa operação conjunto das polícias do Brasil e da Espanha só foi
possível por causa de uma denúncia feita em Salvador, no Brasil, por uma
telespectadora da novela Salve Jorge, como mostra a repórter Patrícia
Nobre.
A mãe de uma baiana da periferia de Salvador fez a denúncia à Secretaria de Políticas para as Mulheres em Brasília.
Segundo a Polícia Federal, a novela "Salve Jorge" encorajou a mãe a pedir ajuda pelo serviço ligue 180 da secretaria.
“Ela deixa claro que a partir da novela ela percebe a condição da
vítima”, explica o diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Coimbra.
Na novela, Morena e outras personagens brasileiras são chamadas para
trabalhar no exterior. Mas na verdade elas se tornam escravas de um
esquema internacional de prostituição.
Depois da denúncia feita ao serviço Ligue 180, a Polícia Federal investigou o caso, junto com a polícia nacional espanhola.
Em Salvador, um casal foi preso esta semana. Denílson Pereira Reis e
Elizânia Evangelista são acusados de aliciar brasileiras pra trabalhar
na Espanha. Segundo a PF, o casal estava a serviço do espanhol Bermudez
Motos, o dono do prostíbulo que a reportagem mostrou em Salamanca, na
Espanha, e de uma companheira dele, a brasileira Renata Gomes Nunes.
De acordo com as investigações, antes de sair do país, algumas garotas
vinham trabalhar nesta casa, no subúrbio de Salvador, onde funcionava um
bar e um prostíbulo. Era uma espécie de preparação, de teste para as
garotas.
“Pessoas de condição humilde e desempregadas. Então eram alvos fáceis
para esses criminosos”, declara César Augusto Toselli, da Polícia
Federal da Bahia.
No prostíbulo baiano, foram encontrados chapéus e bóias da Marinha
Brasileira. A polícia investiga se Sueli dos Santos Estrela é a dona do
estabelecimento. Ela é servidora civil da Marinha licenciada. Sueli foi
intimada a prestar depoimento na sexta-feira passada, mas não apareceu.
Ela vai ser intimada mais uma vez esta semana.
A Polícia Federal afirma que por enquanto não tem elementos que
comprovem a participação de Sueli no esquema de aliciamento. E, em nota,
a Marinha do Brasil diz que espera o resultado das investigações para
tomar as medidas necessárias.
Antes da viagem, as brasileiras receberam dinheiro vivo do espanhol pra
comprar roupas e ir ao salão de beleza. Também levavam muitas notas de
euros para mostrar ao serviço de imigração quando desembarcassem no
aeroporto espanhol. Assim, fingiam que eram turistas com dinheiro pra
gastar.
Quando elas começam a trabalhar na Espanha, tudo isso é cobrado delas,
juntamente com o valor da passagem de avião. “Já no Brasil diziam que
ela ia ter uma dívida inicialmente de mil euros”, afirma Fernando
Berbert, da Polícia Federal da Bahia.
Só que depois os bandidos diziam que a dívida tinha aumentando em 300%.
“E a dívida passa para 4 mil euros”, conta Fernando. Dá quase 12 mil
reais.
A quadrilha conseguiu levar quatro brasileiras de Salvador. Depois da
denúncia feita pela telespectadora de Salve Jorge, mãe de uma delas, as
polícias do Brasil e da Espanha montaram a operação pra encontrar as
garotas e prender os bandidos.
E o correspondente André Luiz Azevedo acompanhou a operação na cidade de Salamanca, na Espanha.
Os agentes forçam a porta, mas ninguém aparece. Eles tentam arrombar a
porta. Aparece uma das mulheres, mas elas dizem que não têm chave. Elas
ficam trancadas. Realmente isso configura um cárcere, configura que elas
ficam totalmente em cativeiro. Finalmente, os policiais conseguem abrir
a porta.
Os agentes entram e encontram prostitutas de várias nacionalidades que
vivem como prisioneiras. Também encontram maconha e cocaína.
“Os donos do clube obrigavam a gente a consumir pra ganhar mais
dinheiro”, diz uma brasileira que foi obrigada a se prostituir na
Espanha. “Os clientes que pagam mais são os que consomem drogas”.
Hoje ela trabalha numa organização que ajuda as prostitutas a mudar de
vida. Das quatro brasileiras aliciadas pela quadrilha em Salvador, uma
conseguiu fugir e voltou para o Brasil. Duas estão desaparecidas. E o
espanhol Bermudez Motos e a brasileira Renata Gomes Nunes estão
foragidos.
“As condições são desumanas, são condições que elas são submetidas à
cárcere privado, têm privação de liberdade, de alimentação, de
documentação”, afirma o delegado Andrei, da Polícia Federal, na Espanha.
A prostituta brasileira mostrada na reportagem é uma das sete mulheres
libertadas na operação. Ela está em situação regular na Espanha, onde
vive há quase dez anos, e pode decidir se volta ao Brasil.
A mãe de outra brasileira libertada na operação foi quem, depois de ver
a novela "Salve Jorge", fez a denúncia ao governo brasileiro.
O repórter André Luiz Azevedo lembrou que teve um trabalho grande da
Polícia Federal do Brasil, do Ministério da Justiça, da Polícia Nacional
Espanhola, mas perguntou para a brasileira se ela sabe como tudo isso
começou.
A mulher sabe que foi através da denúncia de sua mãe e considera a luta
da mãe para conseguir recuperar a filha que estava sendo explorada na
Espanha um gesto muito bonito. E diz que agradece a ela.
Depois de libertada, ela retornou na noite deste sábado (02) ao Brasil.
Foi recebida por uma equipe da Secretaria de Justiça da Bahia e
Secretaria de políticas para mulheres do Governo Federal, que vão dar
atendimento psicossocial e jurídico à garota. A polícia não informa onde
está a mãe dela. As duas devem se encontrar nos próximos dias.
“Ao nós atingirmos uma organização criminosa dessa natureza, nós
demonstramos para a sociedade brasileira que é possível, sim, enfrentar o
crime organizado. Desde que o cidadão venha, denuncie e denuncia pra
que nós possamos agir. Denuncie sem medo, denuncie sem vergonha de fatos
que acabam atingindo muitas pessoas”, declara José Eduardo Cardozo.